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Despedida

iG, 19/307/2012

É dia de despedida. Não porque vou de viagem – às minhas viagens vocês sempre são convidados – mas porque a coluna “Viagens” acaba hoje.

Um ano e alguns meses atrás recebi uma honra que poucos estrangeiros têm: a oportunidade de escrever para o público brasileiro, em português, no momento que Brasil estava começando a se tornar um poder mundial. O turismo, claro, não é um desses temas centrais ao futuro de um país em transformação, como a economia, o meio-ambiente, ou a luta contra a corrupção. Mas faz parte da educação de um povo, e também vira um tipo de diplomacia popular: mudando como o brasileiro enxerga o mundo e como o mundo enxerga o brasileiro. Quem viaja, quanto viaja, e como, importam muito. A viagem, como diz um dos viajantes que mais admiro, o Rick Steves, é um ato político.

Deixar um gringo escrever uma coluna foi uma decisão corajosa dos editores do iG, e pela qual fui criticado várias vezes pelos leitores. Estou muito agradecido pela confiança. A escolha de terminar a coluna não foi minha, mas quem passa a metade do ano na estrada aprende a ser flexível, e fico muito feliz por ter tido a oportunidade.

1Confissão: de algumas coisas não vou sentir falta nenhuma. As noites em claro tentando escrever em um idioma estrangeiro, por exemplo, ou a depressão temporária que sempre me deu quando recebia a versão editada com as (muitas) correções de gramática feitas pacientemente pelos editores. Mas tudo valeu a pena quando saía a coluna e via os comentários dos leitores, e a repercussão que causavam no Facebook e no Twitter.

Nesses comentários, reconheci a mesma paixão, emoção, humor e carinho que valorizo tanto em meus amigos e colegas brasileiros e que são tão diferentes das reações do público norte-americano quando escrevo para ele. Muitos brasileiros também escreveram para reclamar, sobretudo quando escrevia algo sobre o Brasil. E reclamaram muito: quem lembra da coluna “Como ser brasileiro, mas não demais, no exterior”? Alunos de sociologia: acho que os mais de mil comentários dariam um bom tema de tese sobre a identidade brasileira no século 21. Quem topa?

Como ficar em contato comigo?

1) Me seguir no Twitter em português, @tuitesdo7.

2) Me seguir no Facebook. com o nome Seth Kugel. DETALHE: Por favor “assine” a página em vez de pedir “amizade”. Chame-me antiquado, mas amigos para mim são aqueles que conheço pessoalmente.

3) Me conhecer pessoalmente no Rio, no Seminário Viajosfera, organizado pelo blogueiro Ricardo Freire, no final de setembro.

4) Para os que gostam de ler em inglês, minha coluna no New York Times, “The Frugal Traveler, que  sai todas as terças-feiras à tarde. (Também tem um Twitter, @frugaltraveler, e uma página no Facebook.)

5) Ou, para quem não usa Twitter ou Facebook, não gosta ler em inglês, nem vai pro Rio – ou qualquer outra pessoa que queira me contatar diretamente – aí está meu e.mail:seth@sethkugel.com.

O que escrever na última coluna é uma decisão difícil. Mais fácil é o que não escrever: uma lista dos meus lugares favoritos no mundo. Qual é o melhor restaurante de Paris, por exemplo, qual resort do Caribe chama mais minha atenção, qual linha aérea oferece os melhores vinhos ou qual rodoviária do Brasil tem os taxistas mais chatos? Essas dicas você pode encontrar em muitos outros lugares. (Bom, talvez não a dos taxistas chatos, assim que vou fazer uma exceção: é Porto Velho, Rondônia.)

É que, quem depender do meu gosto sobre as coisas finas da viagem, sempre estará perdido. Prefiro um brigadeiro de vendedor de rua ao melhor crème brûlée do restaurante mais clássico da França. Eu mal sei distinguir entre vinho tinto e branco e não conheço quase nenhum resort do Caribe, porque não aceito viagens pagas nem qualquer tipo de “jabá” e, por isso, nunca fico em lugares de luxo.

O que sempre tentei oferecer foi uma filosofia de viagem. Assim que vou tentar resumir aqui os elementos que para mim compõem uma “boa” viagem. Nem seis nem oito, claro, só pode ser Seth Fundamentos da Viagem. Duvido que exista o leitor que concorde com todos; assim que suas sugestões, reclamações e emendas serão bem-vindas, uma última vez, nos “comentários”, lá embaixo.

1-Descobrimento
A existência de mil guias tipo “Lonely Planet” e mil sites como Trip Advisor já nos permitem planejar cada detalhe de nossas viagens. Que chato. Há 15 anos, os guias só serviam para o básico, o viajante tinha que descobrir o resto sozinho, andando, olhando, perguntando. Mas ainda dá para voltar para esse tempo. Pelo menos por um ou dois dias da sua viagem, abandone os guias e explore. Levo na mala agora uma guia “Rough Guides – Escandinávia” comigo (estou na Suécia), mas juro que nem o abri depois de pousar no aeroporto da Dinamarca, seis semanas atrás.

Na semana passada, em Kalmar, Suécia, uma sueca me aconselhou a experimentar o café e o bolo de um lugar que se chama Kullzenska Cafeet. Nossa, que charme: no segundo andar de uma casa do século 19, uma fila enorme de suecos esperava para escolher entre tortas de ruibarbo com framboesa ou amora com pera, ainda quentes do forno, e sentar em cadeiras velhas de madeira. “Que descobrimento!”, pensei. Adorei tanto (a torta de ruibarbo) que voltei no dia seguinte (para prova a torta de amora). Acabo de tirar o “Rough Guide” da mala, e sabe o quê? Está recomendado. Mas o que importa? Descobrir os lugares já descobertos conta – isso se sabe desde as viagens de Cristóvão Colombo.

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Viagem boa é viagem desconfortável. Não, você não precisa dormir em tenda, nem andar de ônibus público de terceira classe pelas montanhas da Bolívia (ainda que recomende as duas coisas). O desconforto de sair da rotina de hotel internacional, restaurante estrelado, bairro chique é vital à viagem. É social. Em um país que você não fala o idioma, entre em uma cafeteria popular que não permite entender onde começa a fila, nem o que tem nos pratos oferecidos, e pergunte. Com sinais, se for preciso.

3Experimente novas atividades: andar de caiaque, visitar um museu de arte contemporânea, assistir um leilão sueco (o que acabo de fazer domingo). E, o mais importante: conversar com desconhecidos em qualquer momento. É só sorrir e fazer uma pergunta, ainda que já saiba a resposta. (“Como chegar ao centro da cidade?”, “Conhece algum restaurante que sirva comida regional?”, “Aqui perto tem uma farmácia?”)

3- Flexibilidade

Esteja sempre pronto a abandonar os planos se algo melhor aparecer. Já fiz uma coluna inteira sobre isto, mas lembrei da importância nesta semana. Na ilha de Öland, Suécia, montei minha tenda em uma área de acampamento lotada com centenas de trailers – essas “habitações sobre rodas” que os escandinavos adoram. A ideia era experimentar a vida típica de uma família sueca em férias. Mas duas horas depois, andava de bicicleta a 20 quilômetros dali, pelo vilarejo bonitinho de Resmo, onde passei pelo que parecia um sítio com vários prédios. Em uma placa em sueco só dava para entender a maior palavra: “RUM” (“Quarto disponível”). Alguém tocava piano em um celeiro convertido em capela. Ele explicou que o sítio era uma pequena pousada administrada pelo EFS, uma parte da igreja Sueca.

4Entrei para aprender mais e descobri algo fascinante: a pousada não tinha um gerente permanente: cada semana, uma família diferente chega e cuida do lugar. A família da semana passada era um casal, o filho e a nora, e duas netas pequenas, Alma e Elba. O preço de um quarto era 390 kroner (R$ 115). Claro que voltei ao acampamento, levei minhas coisas embora, me instalei na pousada e virei amigo da família inteira. Bom, não imediatamente: a filha Alma, de 5 anos, ficou meio-chateada por eu não conseguir responder as perguntas que ela me fazia em sueco. Mas quando a mãe chegou e explicou que eu só falava inglês, me disse o que imagino ser a única frase em inglês que ela sabe falar “I love you”.

4-Risco
Há vários tipos de risco. Você pode quebrar a perna ou perder R$ 5 mil? Então não faça. Mas, e se o pior perigo for não gostar do prato que pediu? Ou passar uma tarde ruim? Ou perder duas horas porque decidiu desviar por um caminho que parecia interessante, mas não foi? Viajar sem correr esses riscos é pior do que ficar em casa.

Sexta-feira passada fui assistir a um jogo de futebol, o do Kalmar FF contra um time da Irlanda, no estádio de Kalmar. Mas pedi minha entrada. Uma senhora achou, pelo meu inglês, que eu era um dos 50 fãs irlandeses que tinham tomado vários vôos, mais um trem, para vir de Belfast para ver o seu time, e me mandou para a seção dos irlandeses. Uns loucos que não pararam de cantar e gritar palavrões aos árbitros enquanto faziam mais barulho que os 10.000 torcedores do time anfitrião. Foi desconfortável iniciar uma conversa com esses malucos? Foi. Mas nem eram tão malucos como eu pensava. Me convidaram para tomar cervejas com eles depois do jogo, e quatro horas depois ainda estava no bar com meus novos amigos irlandeses que continuavam a celebrar. Detalhe: o time perdeu de 4×0. A celebração era pela viagem.

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5- Independência
Tours organizados às vezes são necessários. Difícil andar de safári na África sem um guia, por exemplo. Mas na maioria das viagens, não precisa. Sei que os pacotes são sedutores – tudo planejado, intérpretes prontos, ônibus esperando em cada lugar. Mas um pacote é como uma pizza congelada. Vem pronta, não precisa pensar, só botar no micro-ondas e comer. Com certeza a pizza sairá razoavelmente boa. Mas e se você decidir fazer sua própria pizza, com massa feita em casa, os ingredientes que você quiser (orgânicos? vegetarianos? importados?), tirada do forno no momento certo? Ou sai ótima, ou sai ruim. Quando sai ótima, é mil vezes melhor do que a pizza congelada. E, quando sai ruim, dá para contar a história da sua pizza para todo mundo (“Os problemas começaram quando decidi botar uma gota de chocolate em cima de cada anchova…”) Quem quer ouvir histórias de uma pizza congelada?

6- Criatividade
Não tem dinheiro, nem tempo, para viajar para longe? Viagens podem ser locais. Uma das tendências de viagem hoje é a “staycation”, ou seja, fingir ser turista na sua própria cidade. Ótima ideia para meus amigos paulistanos que já conhecem Londres e Paris, mas nunca exploraram a Zona Norte de São Paulo (e pegar a Marginal Tietê para Guarulhos não vale). Maravilhosa ideia para os meus amigos cariocas que conhecem cada cantinho de San Francisco e Las Vegas, mas nunca entraram em uma das favelas pacificadas do Rio. (Vale até o elevador de Ipanema para Pavão/Pavãozinho e Cantagalo, para os mais preguiçosos.) Ah, e vocês que moram em Manaus, Belém ou Santarém e nunca penduraram a rede num dos barcos populares que andam pela região, estão esperando o quê?

67- Humanidade
Fiz um exercício mental recentemente e o resultado me surpreendeu. Pensei em vários destinos que visitei recentemente para ver qual seria a primeira imagem mental que me vem. Em cada lugar era um rosto. Na Albânia, o do dono de um restaurante que me convidou a pescar. Na Turquia: o do rapaz que tocou música tradicional turca na casa da família e me convidou a almoçar. Em Roma, o vendedor de fruta que me deu uma laranja de graça quando soube que eu era de Nova York, para onde a família dele migrou décadas atrás. Em Manaus, a linda dançarina de forró que… humm, acho melhor deixar essa história sem contar. Não é que não aprecio as belezas da natureza, da arte e da arquitetura. Meu computador está cheios dessas imagens. Mas na minha mente, que tem megabytes limitados, se armazenam principalmente as imagens de pessoas.

Para concluir, acho que vale a pena notar como uma viagem pode mudar o rumo da sua vida. Esta coluna foi resultado indireto de uma viagem que fiz em 2004, entrando no Brasil pela primeira vez pela fronteira colombiana, a bordo do barco Fernandes II, com uma rede e uma gramática portuguesa. Essa viagem virou tema da minha primeira matéria de viagens, e, quatro anos depois, mudei para o Brasil para escrever sobre a economia, a política e a cultura do seu país. Dois anos depois, em 2010, quando saí para virar jornalista de viagens para um veiculo norte-americano, tive a ideia de também fazer uma coluna de viagens especialmente para o público brasileiro.

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As viagens nem sempre têm consequências tão profundas. Mas se chegam a abrir a mente, causar prazer, fomentar amizades e inculcar a apreciação pela beleza e a diversidade do planeta que compartilhamos, isso já não é suficientemente profundo para valer a pena?

Um abraço para todos, e nos vemos aí pelo mundo.

Para inglês entender

iG, 10/3/2012

Há 15 dias, o secretário geral da Fifa, Jerome Valcke, reclamou – de forma não muito diplomática – que o Brasil estava bem atrasado nos preparativos para a Copa do Mundo. Eu não sei falar se Brasil está realmente tão fora dos prazos para a construção dos estádios e da infraestrutura quanto diz o Sr. Valcke, ou se está no caminho certo, como diz o governo. Mas posso dizer, com certeza, que o Brasil – e mais especificamente a Embratur, agência oficial de promoção e marketing do turismo no País – está bem atrasada em outra coisa: o inglês.

Na semana passada, escrevi sobre o profissionalismo dos representantes da Embratur na feira de turismo New York Times Travel Show. Agora, vem a parte chata: a versão virtual, braziltour.com, é muito ruim. No site, que todo o mundo vê como primeira opção quando busca por “visit Brazil” ou “Brazil tourism” no Google, a informação está apresentada em um inglês tão pobre que em muitos casos nem dá para entender o que se quer dizer.  Incluindo a primeira página (home).

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A Embratur obviamente fez um esforço grande, porque o site é bonito e lotado de fatos, informações e vídeos. Posso até dizer que a versão em português é muito legal. Mas é fato que a versão em inglês é a que importa, porque serve não só os cidadãos dos aproximadamente 60 países do mundo onde o inglês é o idioma oficial ou predominante, mas também outros países como Japão, China e Rússia, que não contam com versões nos idiomas deles.

O site existe também em espanhol, francês, italiano e alemão, mas eu não sei avaliá-los. O que posso dizer é que o inglês é péssimo. Não péssimo tipo “Você visitar Brasil. Brasil ser muita bonita.” Isso é errado, mas pelo menos dá para entender.

Vamos para alguns exemplos. As primeiras mensagens que aparecem são:

“Brazil has scheduled its stars to the 2014 World Cup” e depois “Click here and get to know our Cities Selection”.

Li as duas frases pelo menos 20 vezes sem consegui entender nenhuma das duas.  Será que o primeiro significa “As estrelas da seleção brasileira vão estar presente na Copa do Mundo”, pensava. Ou talvez “As estrelas do céu estão alinhadas para a Copa ser maravilhosa”?

A segunda parte também foi difícil. “Cities Selection” significa o quê? Deve ter algo a ver com as cidades que vão receber a Copa, mas o quê exatamente?  Fiquei perplexo.

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Para resolver, fui para a versão em português.  Ah, “as estrelas” = “os craques”, e os craques, neste caso, são as cidades hospedeiras. Embratur, me permite?

“Brazil has recruited its biggest stars for the 2014 World Cup…”

“Its host cities! Click here to learn all about them.”

O problema é fácil diagnosticar. Já vi em muitos outros sites de empresas brasileiras, sem falar de cardápios em restaurantes e placas nos hotéis. Os que fazem as traduções de português para inglês são brasileiros.

Funciona assim. Para traduzir do inglês para o português, se deve usar brasileiros (ou portugueses, angolanos etc) bilíngues. Para traduzir do português para o inglês, precisa de tradutores bilíngues, que foram criados e educados em inglês. Não quem estudou inglês na faculdade e fez mestrado em Londres. Ou seja, precisa de ingleses, canadenses, norte-americanos, australianos, tanto faz. Podem existir algumas exceções extraordinárias à regra, tradutores brasileiros que conseguem verter profissionalmente para o inglês? Pode. Mas são poucos, caros e claramente não são contratados pela Embratur.

Eu tenho um amigo norte-americano tão fluente em alemão que grandes editoras o contratam para traduzir os best-sellers alemães para o inglês. Já ganhou prêmios por seu trabalho. Mas ele absolutamente se recusa a fazer traduções do inglês para o alemão. Porque sabe que vai ter erros.

(Ah, e claro, eu escrevo esta coluna no meu português imperfeito. Mas não publico nada antes de tê-la revisada e corrigida pela minha editora brasileira. Se quiser ver meu português na versão original, tem que me seguir pelo Twitter no @tuitesdo7.)

Voltando para o site…

O turista que clica sobre “Selection Cities” chega a outra tela. Aparece uma frase: “A cities’ schedule ready to start playing”.

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Tenho mais de três décadas de experiência em ler o inglês, mas ainda assim não consegui decifrar esse contrassenso. Procurei na versão em português: “Uma seleção de cidades pronta para entrar em campo”. Gente, speak serious. Nada a ver. Embratur, tome nota: “A great team of cities, ready to take the field”.

Daí dá para “conhecer” as cidades em fatos, fotos e vídeos. Cada qual com erros que variam de ruins a desastrosos. Um vídeo sobre Natal mostra o que parece ser de uma dança tradicional, com a legenda: “Plentiful cultural demonstration”. Sentido? Nenhum. Parecem palavras escolhidas aleatoriamente e colocadas juntas ao acaso.

Mas os erros mais graves ficam na página principal. Se o visitante potencial rola a tela para baixo, quase todas as outras opções têm erros também. (Uma exceção: “Golf” está traduzido corretamente como “Golf”) Mas tem uma que é imperdoável. A tradução de “Patrimônios Culturais da Humanidade no Brasil” é: “Humanity Cultural Heritages in Brazil”.

Desculpe a repetição, mas não faz sentido nenhum. Para quem não sabe, o status de “Patrimônio da Humanidade” é decidido pela UNESCO, agência da ONU. A Embratur sabe disso. Assim que encontrar a tradução correta é muito fácil. Basta ir à página do Wikipédia em português e dar um click em “English”, na coluna de “outras línguas”, do lado esquerdo. Aparecerá a mesma página do Wikipédia, em inglês. Resultado: “World Heritage Site”. Ou faça uma pesquisa por “UNESCO” no Google.com, em inglês. Saem imediatamente duas opções: “World Heritage” e “World Heritage List”.

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Felizmente, alguns erros são mais engraçados do que deprimentes. É só ir na página de Trancoso. A descrição do lugar em português é a seguinte:

“Trancoso é um povoado localizado no sul do Estado da Bahia, é hoje um lugar ideal para fugir da agitação e estresse da cidade.”

E em inglês: “Trancoso is a town on the south region of Bahia. It is now the ideal site to runaway from the effervescence and stress of the city”.

A tradução possui pelo menos cinco erros. Mas é o quinto o mais hilário. Como “agitação” chegou a ser “effervescence”, não sei dizer. “Effervescence”, em inglês, significa “o ato de bolhas de gás escaparem de um líquido”.

Ou seja, Trancoso é um lugar ideal para fugir dos refrigerantes e outras bebidas gasosas da cidade. Notem bem, gringos: se vocês gostam da Coca Zero ou da água com gás, melhor escolher outro destino.

Obviamente, ninguém vai desistir de Trancoso por um erro de vocabulário. Mas desistir de um país porque não tem informação legível em seu site oficial? Com tantos outros países de olho nos bilhões de dólares do turista internacional? Isso não só é possível, é provável.

EDIÇÃO ESPECIAL – Como ser brasileiro, mas não demais, no exterior

iG, 27/07/2011

É bem difícil um turista chegar ao Brasil e não se apaixonar pela paisagem, pela música, pela comida. Mas é o povo que deixa a melhor impressão. Vocês são charmosos, otimistas, sorridentes, hospitaleiros. E as qualidades são contagiantes. O estrangeiro chega e entra na mentalidade brasileira. Como dizem, quando em Roma, faça como os romanos…

Mas o que acontece quando o romano sai de Roma? Ou seja, agora que muitos brasileiros estão viajando pela primeira vez para o exterior é preciso pensar em quais “brasilidades” funcionam, e quais não, além das fronteiras brasileiras.

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Sorrir muito e ter uma atitude positiva sempre vão dar certo. Outros costumes… nem tanto. Seguindo a tradição da coluna, fiz uma lista de sete, ou seja Seth, erros para o brasileiro evitar no exterior. (Um esclarecimento para o leitor. Deve ser irônico receber conselhos de comportamento de alguém dos Estados Unidos, país que produz talvez o turista mais chato e irritante do mundo – o famoso “ugly American”. Mas é que meu povo já é um caso perdido. Há séculos que nós viajamos pelo planeta fazendo besteiras, e cachorro velho não aprende truques novos. Para vocês, ainda há tempo.)

1) FALAR COM O POLEGAR. É talvez a “brasilidade” mais comentada pelos americanos que visitam o seu país pela primeira vez: esse sinal de levantar o polegar (ou até os dois) para dizer “ok”, ou “não tem problema”, ou “de nada”, ou “pode passar” ou até simplesmente “bom dia”. O brasileiro não inventou o “thumbs up” (como se diz em inglês), mas é de longe o país que mais usa. Por exemplo, tenho um amigo que cada vez que viaja ao Brasil conta quantos “thumbs up” recebe por dia. Dois polegares ao mesmo tempo valem dois, óbvio.

Tudo bem dentro do Brasil. Mas em muitos outros países, é esquisito – até brega – fazer isso. (E em alguns países é vulgar: Bangladesh, por exemplo.) Para nós, nos Estados Unidos, é coisa do passado. Lembra muito o personagem “The Fonz” do seriado “Happy Days”, um cara cool demais… só que nos anos 50.


2) TOMAR BANHO. E OUTRO. E MAIS UM.
 Os brasileiros são, sem dúvida, o povo mais limpo do mundo. Às vezes acho que nos dias mais quentes do verão vocês passam mais tempo debaixo do chuveiro do que fora. Eu não admito aos amigos brasileiros que nem sempre tomo banho antes de dormir, por medo de perder a amizade ou talvez até meu visto.

Mas quando for viajar, lembre que o Brasil tem 14% da água doce do mundo, e só 3% da população do planeta. Em muitos países a água é escassa, em outros o custo para aquecê-la é alto. Quando eu estudava em Paris, hospedado com uma família francesa, minha “mãe” reclamava muito quando eu passava mais de cinco minutos no chuveiro. Num hotel, pelo menos, ninguém vai saber que você está gastando demais os recursos naturais do país. Mas se você ficar na casa de amigos, tente se limitar a um banho curto por dia. Não se preocupe: que eu saiba ninguém nunca morreu por ficar pouco tempo no banho, nem mesmo na França.

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3) USAR SUNGAS E BIQUÍNIS BRASILEIROS. Não é que não pode. É que você só deve ficar ciente das repercussões. Queridas brasileiras, eu conheço vocês, e vocês adoram comentar quando uma gringa aparece na praia de Ipanema com um desses biquínis feios que cobrem a bunda toda. Agora se preparem para uma revanche. Se vocês andarem com um biquíni brasileiro ­– desses que tapam talvez 10% da sua bunda – em muitos países vão atrair alguns olhares estranhos das mulheres locais. (Os homens vão gostar, com certeza, mas só porque o biquíni lembra um pouco a roupa de uma stripper.)

Quanto à sunga, em alguns países, tudo bem. Em outros, como é o caso do meu, se considera bem esquisito e meio vulgar. Exemplo: num episódio do programa americano Curb Your Enthusiasm, o personagem principal (o comediante Larry David) enxerga o psiquiatra dele na praia… de sunga. Fica horrorizado e decide desistir da terapia.


4) LIXO NO LIXO.
 O mundo está dividido em duas partes: a que tem sistema de esgotos que permite jogar o papel higiênico na privada, e a que não tem. E, desculpe a intimidade, mas no mundo com sistema de esgotos que permite, se considera muito nojento jogar papel usado no lixo.

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5) BEIJAR À VONTADE. O problema do beijo de cumprimento é bem documentado, não vou perder seu tempo falando de quantas vezes se beija em cada cidade do mundo. O problema é o beijo na boca, que no Brasil é muito mais aceitável em público do que em outros países. Ou seja: nas ruas, nos parques, nas mesas de bares e restaurantes, até na fila para entrar no cinema. Por isso eu sempre digo que o lema oficial do Brasil deveria ser “Get a room!”. Essa frase, que em tradução livre seria algo como “Arrume um motel!”,  é o que se fala quando um casal está expressando sua afeição de forma… exagerada.

Juro que em nenhum outro país do mundo (que eu conheça) os casais se beijam tão aberta e apaixonadamente em público quanto no Brasil. E pior, ao lado dos amigos. Eu não estou contra, e até faço também quando a situação se justifica… no Brasil. Mas em outros países, na maioria das situações, é preciso se controlar para não constranger os outros. Existem exceções: no cinema, até pode, mas pelo amor de Deus só se estiverem sozinhos, e não ao lado de um casal de amigos. Na balada ou numa festa, ok, não precisa arrumar um motel para se beijar. Mas arrume um cantinho escuro pelo menos.

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6) ESQUECER A GORJETA. Em Nova York, os garçons odeiam os estrangeiros. Por quê? Porque um garçom nos EUA não ganha quase nada de salário – recebe até menos de um salário mínimo, porque vive das gorjetas. Até os estrangeiros que sabem disso acham justo deixar 10% ou 12%. Não é. É 15% se você é chato (ou se o garçom foi chato) e 18% ou 20% se não. E sem reclamar. Em outros países, a gorjeta varia muito, por isso você sempre deve dar uma olhada no sua guia de viagem ou procurar na internet. (Eu não conheço um bom site em português mas em inglês existem muitos – bota “tipping by country” no Google.

7) PEDIR CERVEJA COMO SE ESTIVESSE NO BRASIL. Uma vez fui jantar em Nova York com uma família de brasileiros. O pai acabava de chegar ao país e tentou explicar à garçonete (em português, que ela não entendia) que queria a cerveja com dois dedos de colarinho. Quando a bebida chegou sem espuma nenhuma, ele reclamou e tentou explicar de novo. A garçonete falou para nós: “Explique para ele que entendo o que ele quer, mas o negócio do chope não funciona assim.” E é verdade: colarinho na cerveja é um fenômeno brasileiro que é difícil de encontrar na maioria de países (fora a cerveja Guinness).

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Quanto à cerveja gelada, o mundo está mais dividido. Normalmente, pessoas de países tropicais gostam de cervejas fracas e bem geladas, para se refrescar num dia quente. Esse é o caso do Brasil. Mas em muitos outros países se acredita que o sabor é mais importante, e é fato que cerveja muito gelada perde o sabor. Um dia, na Bolívia, eu estava jantando com um casal de brasileiros que reclamou à garçonete que a cerveja estava quente. Tentei explicar para eles: “não vai ter mais gelada, aqui se toma assim.”

Nossa, já chegamos a sete? Então preciso colocar um bônus especial para meus queridos paulistanos:

7 – B) MATAR PEDESTRES À VONTADE. Não sou advogado, mas segundo observo nas ruas de São Paulo,  a lei local determina que um motorista que vê um pedestre atravessar a rua e não tenta matá-lo vai preso. Mas quando você alugar um carro em outro país, preste atenção: o pedestre tem algo que se chama “direitos.” Em alguns países da Europa, da Ásia e estados dos Estados Unidos, a lei até exige parar o carro quando alguém pisa na faixa de pedestres.

Agora, a boa notícia. O brasileiro é tão querido no mundo – pelos jogadores de futebol, pela música, pela atitude – que até pode cometer os erros e ninguém vai reclamar. Bom, talvez o pedestre, se é que ele sobrevive.